Nota assinada por Tarcísio, Castro, Zema e Ratinho Júnior afirma que ‘governo federal busca regular a atribuição das policias estaduais’
Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Cláudio Castro (PL-RJ), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Júnior (PSD-PR) pediram a revogação do decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o uso da força por policiais. Em nota conjunta, os representantes da direita afirmam que a medida “beneficia a ação de facções e pune homens e mulheres que diariamente arriscam suas vidas em prol da sociedade”. A medida é defendida por entidades e especialistas.
Publicado na última terça-feira, o texto do governo Lula prevê o uso da força e de armas de fogo apenas como último recurso, em caso de risco pessoal. O uso da força física também deve ser evitado. Para implementar essas medidas, os profissionais passarão por capacitação.
“Com o documento, o governo federal busca regular a atribuição das policias estaduais. A medida é arbitraria e uma tentativa, sem precedentes, de interferir na política de segurança dos Estados”, diz o texto assinado pelos governadores, que pertencem ao Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud).
A nota do Cosud é assinada por quatro dos sete governadores pertencentes ao grupo. Os posicionamentos de Renato Casagrande (PSB-ES), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Leite (PSDB-RS) não constam na manifestação.
O decreto foi elaborado após a criação de um grupo de trabalho com participação do:
- Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública,
- Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares,
- Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil,
- Conselho Nacional do Ministério Público,
- Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais,
- Associação dos Guardas Municipais do Brasil.
Segundo o Ministério da Justiça, o grupo de trabalho foi constituído com “uma composição plural, integrando diversas entidades e órgãos com o objetivo de assegurar uma abordagem abrangente e inclusiva sobre o uso da força” (leia a nota do ministério no pé da reportagem).
Histórico de embates
Apesar de as orientações do texto não serem obrigatórias, servirão como condição para o repasse de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), principal instrumento de financiamento da segurança pública no Brasil. Em 2025, serão repassados R$ 1,1 bilhão do fundo aos estados. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização que reúne especialistas no tema, defendeu o texto da gestão Lula.
Em postagem na rede social X, Zema afirmou que o decreto “coloca os policiais em risco e tenta tirar dos estados o recurso dos fundos penitenciário e de segurança”.
Antes do decreto, o principal impasse dos governadores com o governo na área se deu pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública.
“A segurança pública deve ser construída com base na colaboração, no respeito às diferenças regionais e no fortalecimento das capacidades locais, e não por meio de uma estrutura centralizada que limita a eficiência e amplifica a burocracia”, diz a Carta de Florianópolis, assinada por Jorginho Mello, Castro, Tarcísio, Zema, Casagrande e Ratinho Júnior.
No fim de outubro, Zema e Jorginho Mello recusaram convite do presidente Lula para participar de reunião que discutiu o tema. Em ofício no qual justificou sua ausência, Zema detalhou pontos em que o Cosud queria alterações.
O consórcio acredita que poderia ser possível o compartilhamento de informações da tornozeleira eletrônica sem autorização judicial, caso haja violação do uso. Os governadores do Sul e do Sudeste também sugerem que membros de organizações criminosas sejam incorporados na Lei de Crimes Hediondos, prolongando suas penas.
Leia a íntegra da nota do Cosud divulgada nesta sexta-feira:
“O decreto 12.341 publicado nesta semana pela União beneficia o crime organizado e, na prática, bloqueia a autonomia dos estados, num claro sinal de violação da Constituição brasileira. Com o documento, o governo federal busca regular a atribuição das policias estaduais.
A medida é arbitraria e uma tentativa, sem precedentes, de interferir na política de segurança dos Estados.
É urgente que o decreto seja revogado porque o seu conteúdo beneficia a ação de facções e pune homens e mulheres que diariamente arriscam suas vidas em prol da sociedade.
A segurança das famílias brasileiras não será garantida com decretos evasivos que limitam o poder das polícias, mas sim com investimento coordenado e o endurecimento das leis.
Romeu Zema
Governador de Minas Gerais
Ratinho Júnior
Governador do Paraná
Tarcísio de Freitas
Governador de São Paulo
Cláudio Castro
Governador do Rio de Janeiro”
Leia a nota do Ministério da Justiça:
“A respeito do pedido de quatro governadores do Sul e do Sudeste pela revogação do Decreto 12.341, publicado no dia 24 de dezembro de 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública esclarece que o texto foi construído a partir de um amplo debate entre o governo federal, representantes dos entes federados, dos órgãos de segurança pública e da sociedade civil.
As discussões sobre o decreto presidencial, que dispõe sobre o uso progressivo da força pelos integrantes das polícias brasileiras, aconteceram durante quase 12 meses, no âmbito de um Grupo de Trabalho, instituído em 8 de janeiro deste ano.
O colegiado contou com integrantes do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública; do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares; do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil; do Conselho Nacional do Ministério Público; do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais e da Associação dos Guardas Municipais do Brasil.
A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal também integraram o Grupo de Trabalho, assim como o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime no Brasil; o Comitê Internacional da Cruz Vermelha; o Instituto Sou da Paz e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ao longo de todo o ano de 2024, foram realizadas 15 reuniões desse Grupo de Trabalho. O objetivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi o de construir um texto de consenso sobre o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo (IMPO) pelos agentes de segurança pública em todo o país.
A elaboração do Decreto está prevista na legislação brasileira. A Lei nº 13.060, de 2014, que disciplina o uso da força, determina, em seu artigo 7º, a responsabilidade do governo federal pela regulamentação das diretrizes ali estabelecidas. Ao se debruçar sobre o tema, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não só cumpriu seu papel legal, mas, acima de tudo, deu fim à insegurança jurídica enfrentada pelos profissionais de segurança pública durante esses dez anos.
O decreto presidencial busca, portanto, integrar alterações normativas nacionais e internacionais, priorizando o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo (IMPO), padronizando procedimentos e fortalecendo as instituições de segurança pública. Um dos principais objetivos é aprimorar a atuação dos profissionais de segurança pública, dando-lhes amparo técnico e legal para o desempenho de suas funções.”
